Daniel Souza*
A ignorância aliada e a alienação têm sido um
terreno fértil para ardis manipuladores das massas alcançarem inconfessáveis
desideratos. Alguém duvida?
O caso mais emblemático aconteceu na semana da
votação do Projeto de Lei que dispõe sobre o abuso de autoridade, em
substituição a anacrônica Lei 4.898/1965.
Incrível foi assistir sem se indignar a desfaçatez
daqueles contumazes impunes praticantes do crime de abuso de autoridade
assim como causou-me pasmada estupefação assistir a
manifestação favorável a essa infâmia que dista do Brasil colônia
inacreditavelmente defendida com galhardia exatamente por aqueles
que, na condição de pessoas comuns do povo, são vítimas,
cotidianamente, do abuso de autoridade.
Toda a “polêmica”, levantada pelos arautos do
autoritarismo no Brasil e, paradoxalmente, apoiada pela populaça, decorre, apenas e tão somente porque a proposta
legislativa, que dormia em berço esplêndido desde 2008, alcança, por
inteiro, juízes e promotores, os quais, à luz do Projeto tramitante na Câmara
dos Deputados, agora já a caminho do Senado Federal, ficariam vulneráveis as
penas da lei, como autoriza o princípio
constitucional de igualdade de tratamento, para quem todos os
cidadãos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza. Ou seja,
a nova proposta prevê punição para qualquer agente público quando praticar
afirmação falsa em ato praticado em investigação
policial ou administrativa, inquérito civil, ação civil pública, ação de
improbidade administrativa ou ação penal pública,
Com efeito, vejamos
alguns dos mais inquietantes dispositivos que têm assombrado paladinos que se
colocam acima da Constituição Federal: “ordenar ou executar medida privativa da liberdade
individual, sem as formalidades legais ou com abuso de poder; submeter pessoa
sob sua guarda ou custódia a vexame ou a constrangimento; deixar o juiz de
ordenar o relaxamento de prisão ou detenção ilegal que lhe seja comunicada;
levar à prisão e nela deter quem quer que se proponha a prestar fiança
permitida em lei; lesar a honra ou patrimônio de pessoa natural ou jurídica,
quando praticado com abuso ou desvio de poder ou sem competência legal;
prolongar a execução de prisão cautelar qualquer, de pena ou de medida de
segurança, deixando de expedir em tempo oportuno ou de cumprir imediatamente
ordem de liberdade; fazer afirmação falsa ou negar ou calar a verdade em ato
praticado em investigação policial ou administrativa, inquérito civil, ação
civil pública, ação de improbidade administrativa ou ação penal pública, que
esteja sob sua presidência ou de que participe; omitir-se na apuração dos
abusos perpetrados por subordinados seus ou sujeitos ao seu poder correcional”.
Obviamente que a proposta deve sofrer alguns ajustes
no ambiente constitucionalmente apropriado, o Parlamento, inclusive fazendo a
importante distinção entre abuso de autoridade e divergência da aplicação da
norma, considerando os princípios da razoabilidade e da coerência objetiva.
Deste modo, conclui-se ser uma leviandade a
assertiva segundo a qual o referido projeto de lei é um levante contra a “Lava
Jato” só porque a proposta parlamentar amplia o leque de punição para
aquelas autoridades, de quaisquer dos poderes da União, dos Estados e dos
Municípios -- quando violarem a Constituição Federal e as leis do nosso país,
como sói acontecer numa República.
Não me assomam dúvidas, nessa direção, que o
desvirtuamento do debate à guisa de uma falácia sem precedente não passa de uma
astuta campanha midiática protecionista, elaborada por autoritários
disfarçados de democratas defensores de castas e privilégios.
Como diz o
velho ditado popular: “pau que dá em Chico, dá em Francisco”.*Daniel Souza é advogado
Nenhum comentário:
Postar um comentário